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Indústrias que Competem Diretamente com o Varejo: Remando num Barco Cheio de Furos.

Certo dia, durante uma reunião voltada à análise orçamentária e às atuais dificuldades de negociação com os atuais fornecedores de matéria-prima, o Diretor de Suprimentos e o Diretor Financeiro foram surpreendidos pela intervenção abrupta do Diretor Comercial da empresa:

“Companheiros, estamos com o nosso negócio ladeira abaixo! Há tempos temos perdido espaço no mercado para os nossos concorrentes, tudo por conta de dois únicos fatores: preço e atraso de entrega. E o pior é que, especificamente no que se refere a preço, só tenho visto movimentos contrários ao caminho que deveríamos estar seguindo. Ou seja, deveríamos estar repensando nossos preços para diminui-los, mas o que tenho visto é vocês incentivando aumentos e mais aumentos. Sinceramente, parece que estamos trabalhando em empresas distintas. Minha equipe anda muito desmotivada e nossa rotatividade profissional está acima do normal para o mercado. O que vocês tem a falar a respeito? Iremos nos unir para melhorar este cenário, ou não?”

O posicionamento dado tanto pelo Diretor de Suprimentos, quanto pelo Diretor Financeiro, foi:

“Acreditamos em dois possíveis cenários: o primeiro, é que você está exagerando, querendo redução de preço para facilitar a atuação de sua equipe comercial; o segundo, é que você simplesmente está enganado, achando que as outras indústrias estão conseguindo vender produtos tão mais baratos, quando, na verdade, estão apenas executando uma espécie de ‘dumping’, praticando temporariamente preços abaixo do custo real, tentando nos prejudicar e nos excluir do mercado. Em ambas as alternativas, nossa opinião é que nossos preços estão certos. Basta ver a composição dos seus custos, para comprovar o que estamos dizendo. Não há como reduzirmos o preço de venda; ao contrário, aí sim nosso negócio irá ladeira abaixo.”

Essa discussão, naquele dia, se estendeu durante horas, enriquecida também pela participação do Diretor de Produção, o Diretor de Tecnologia e o Diretor de Recursos Humanos. Na verdade, sendo bem sincero, essa discussão durou alguns anos, exatos e incríveis oito anos de pontos de vista distintos, cada Diretoria acreditando estar fazendo o seu melhor, porém sempre com um olhar negativo para seus pares de direção.

Até que um dia, apareceu uma consultoria especializada em Gestão de Processos e Estratégias Comerciais…

Utilizando-se de metodologia e ferramentas adequadas de diagnóstico, a consultoria apresentou a todos os Diretores daquela indústria um diagrama sobre o que estava de fato ocorrendo, algo muito mais comum nas indústrias do que podemos imaginar. Enquanto todos olhavam para o diagrama projetado em tela, a consultoria explicava:

– Vocês são uma indústria que compete com o varejo, não com outras indústrias. Motivo: vocês provavelmente deixaram de investir corretamente em suas operações, por exemplo, em métodos, conhecimentos e automação, permitindo que os custos se elevassem – às vezes nem é preciso estar num cenário de elevação de custos; basta que o lado forte do mercado esteja em movimento de otimização de suas operações, para que sua empresa fique defasada neste quesito –, ocasionando preço fora da competição.

– “Entendemos a explicação, mas não conseguimos nos ver neste cenário. A grande maioria das nossas vendas continua direcionada a antigos clientes, os quais são caracterizados como distribuidores. Nosso produto não está saindo daqui da indústria direto para os clientes finais, mas para estes distribuidores”, argumentou, assim, um dos diretores.

– Correto. Vocês continuam vendendo para distribuidores sim, mas não quer dizer que estes distribuidores não tenham mudado de perfil. Na verdade, ao estudarmos toda a Cadeia de Valor do seu Negócio, concluímos que diversos distribuidores seguiram um movimento normal de mercado, ao longo do tempo, de tentar suprimir nessa Cadeia de Valor uma das interfaces com o consumidor final. Para que fosse possível fazer esta manobra, não bastou simplesmente redirecionar o esforço de Marketing, Publicidade e Atendimento, mas, principalmente alterar algo que influencia de maneira bastante significativa o preço deles: a Gestão do Estoque. Para vocês entenderem melhor, deixe eu colocar outra situação: hoje vocês apresentam grande dificuldade de atender os clientes nos prazos negociados, certo? São os mesmos antigos prazos que vocês sempre trabalharam, mas está cada vez mais difícil de atende-los, correto?

– “Correto. Aliás, estamos numa situação que se produzirmos mais, venderemos mais. Nossos clientes só não compram mais, porque não conseguimos entregar a tempo”, explicou o Diretor Comercial.

– Perfeito. É disso que estou falando. Para que fosse possível a supressão de uma das interfaces da Cadeia de Valor, os Distribuidores transferiram os estoques deles pra vocês, de maneira sutil, em longo prazo, e vocês não perceberam este movimento. Vejam: um verdadeiro Distribuidor tende a comprar grandes lotes a cada novo pedido, mas o que ocorre aqui é que os pedidos que hoje vocês atendem são pedidos de pouca quantidade e muita diversidade, dificultando o planejamento da produção.

– “Nossa! Mas é isso mesmo! Está muito na cara e a gente simplesmente não se preparou pra isso!”

– Sim. Não se prepararam por motivos diversos. Um deles é que vocês talvez não possuíssem todo o conhecimento e a experiência necessários para enfrentar novos cenários para sua indústria. O outro, talvez mais relevante, é que vocês provavelmente não se comunicam bem entre si. Certamente se vocês mantivessem uma rotina periódica e dinâmica de troca e análise de informações, muitos problemas teriam sido eliminados.

Mas vamos resumir o diagrama que tanto reflete esta situação:

  1. Tudo começa pelas Dificuldades Gerenciais. Elas geram;
  2. Contínua Redução de Eficiência Operacional que, por conseguinte, ocasiona;
  3. Problemas Operacionais, que elevam os custos e influenciam na;
  4. Elevação de Preços;
  5. Situação: A empresa passa concorrer com outros níveis da Cadeia de Valor do Negócio, forçando a entrega cada vez mais rápida dos seus produtos, já que a empresa deixa de ser tratada como indústria, mas quase como uma empresa de venda de balcão;
  6. Este cenário influencia conflitos cada vez maiores entre diferentes departamentos como Comercial x PCP x Compras x Financeiro, que, por fim;
  7. Elevam cada vez mais os Problemas Operacionais, sem que os envolvidos consigam enxergar um caminho para sair deste ciclo de deterioração do negócio.

Para ajudar, seguem as ações imediatas que normalmente são tomadas frente a este tipo de cenário:

  1. CURVA ABC Produtos: identificar os produtos que representam, por exemplo, 70% do faturamento da empresa, para que a empresa dê maior foco nesses produtos. Mas, cuidado: avaliar se dentre os produtos B e C, há produtos específicos que deveriam pertencer a Curva A. É importante tentar mantê-los no portfólio, trabalhando em cima dos problemas que hoje os impedem de ser um produto curva A.
  2. CURVA ABC Clientes: mesmo pensamento em relação a Curva ABC Clientes, com um adendo: verificar exatamente o que os clientes curva A compram, pois há o risco de alguns deles estarem amarrando produtos curva A com produtos das demais curvas.
  3. Redução Temporária do Negócio: É necessário aprender e acreditar na Curva do Ciclo de Vida do Negócio. Por ela, entendemos que todo negócio exige simplificação, de tempos-em-tempos.
  4. Cálculo de Otimização de Produção: Estatística para melhor alinhamento dos equipamentos, da movimentação de recursos e da simplificação das ferramentas voltadas à produção.
  5. Terceirização ou Produção Própria: reavaliar que produtos realmente precisamos produzir e que produtos podemos terceirizar (parte ou o todo do produto).
  6. Melhor esforço de pesquisa, cotação e negociação com fornecedores. Se for necessário, envolver-se a tal ponto de transferir conhecimento – às vezes envolve, inclusive, investimento conjunto – para o negócio do seu fornecedor.
  7. Por fim, voltar ao trabalho da Revisão de Preços.

Essa uma história importante de ser contata, pois ajuda a elucidar causas primárias e causas secundárias de diversos problemas que normalmente são discutidos nas indústrias. Muitas dessas indústrias acabam encerrando suas operações, ou sendo vendidas, pelo simples fato de não terem conseguido enxergar o elo entre os diversos problemas com os quais convivem. Infelizmente, enxergam como problemas isolados, ou, quando não, possuem dificuldades de encontrar ações corretivas na ordem sequencial correta.