Tag: Como Negociar

Como Aprendermos a Negociar Através de Boas Histórias: Casos Práticos Muitas Vezes Valem Mais do Que Teorias

Em todos os treinamentos que conduzo, exploro inúmeros casos práticos para elucidar os assuntos e facilitar sua absorção pelo público. É o que faço principalmente em meus treinamentos que envolvem habilidades muito influenciadas pela psique, estado físico e mental, nível de educação, fator genético, etc. Não é diferente para os treinamentos voltados à Técnica de Negociação e não seria diferente neste artigo, o qual fora sugerido por um colega de trabalho. Então, para falarmos sobre técnica de negociação, nada melhor do que apresentar um caso prático. Este caso será bem simples, cabendo da melhor maneira possível à realidade de todos. E claro, sempre há espaço para transitarmos rapidamente por alguns conceitos e teorias, para enriquecer a história.

Estava eu planejando a troca dos quatro pneus do meu carro. Então, começamos bem: planejando. Toda negociação exige que estejamos preparados para ela, mas cada tipo de negociação poderá exigir preparos específicos, como, por exemplo, preparar seu estado de espírito, seu humor, sua fala, etc. No meu caso, meu planejamento se concentrou em um ponto específico, este, aliás, o único que não pode ser descartado, seja lá qual for a negociação: informações.

Sobre o que busquei em termos de informações? Simples. Vamos aos detalhes iniciais do meu planejamento:

Quais as especificações do pneu do meu carro, que outras especificações também atendem a minha necessidade sem comprometer as condições normais do carro. Objetivo: na hora da negociação, eu preciso demonstrar que conheço alguma coisa de pneus.

Cotação de preço, via internet, mesmo. Durante à cotação, me deparei com algo que eu havia esquecido: toda troca de pneus exige alinhamento e balanceamento, os quais são cobrados a parte. Sendo assim, pesquisei também o valor desses serviços no mercado.

Qual o melhor estabelecimento para eu realizar a compra e troca dos meus pneus. Recebi indicações similares de alguns colegas e concluí que seria lá o local onde eu realizaria o serviço. E, já que as indicações foram similares, procurei perguntar sobre as características do atendimento, com quem eu poderia negociar ao chegar ao local – o bom é que todos me indicaram o proprietário como alguém disponível para me receber, ou seja, o dono do estabelecimento está sempre por lá –, o melhor dia e horário para eu comparecer. O dia movimentado em qualquer estabelecimento comercial pode parecer bom para negociar bons descontos, mas nem sempre isto é uma regra. Muitas vezes, o melhor é você comparecer ao local um dia (dia útil) após àquele que todos citarem como sendo o dia mais movimentado. Motivo: você poderá contar com uma atenção um pouco mais exclusiva, com mais calma para negociar, e com um proprietário feliz pelas vendas do dia anterior.

Um ponto a ser utilizado como pequena barganha: os pneus velhos do meu carro. Quem conhece desse mercado sabe que pneus velhos praticamente não valem nada, mas, com as minhas perguntas, descobri que a loja na qual eu levaria meu carro tende a ficar com os pneus velhos, para descartarem em empresa especializada nesse tipo de descarte. Para se ter uma ideia, consegui descobrir que a loja consegue pagar o aluguel do seu ponto somente com esses pneus velhos. E por que essa informação é importante? Veremos mais adiante.

Antes de irmos para o relato do momento da negociação, vale ressaltar um ponto importante: durante todo o tempo em que permaneci no local – cerca de uma hora e quinze minutos –, mantive ótima expressão corporal, sorriso no rosto e bem comunicativo com todos os funcionários, sem discriminação alguma. Aceitei café todas as vezes que me ofereceram – foram duas vezes –, elogiei o estabelecimento com sinceridade, perguntei coisas específicas sobre os serviços dele e estive o tempo todo atento para perceber o momento de me manter calado, para não atrapalhar a rotina de trabalho deles.

Vamos, então, ao momento: Cheguei ao estabelecimento às nove horas da manhã. Todo mundo já está bem acordado, com o café da manhã já tomado, o sol está firme no céu, todos já se encontraram sob seus ritmos habituais de serviço, etc. Sou, naquele momento, um cliente feliz entrando no estabelecimento, feliz por estar ali. Sou recebido ainda dentro do carro por um profissional técnico. Digo a ele: Bom dia! Tudo bem? Prazer, Daniel. Tudo bem contigo? Então: eu gostaria de trocar os pneus do meu carro; todos os quatro pneus. A resposta dele foi afirmativa, com um detalhe: meu sorriso foi correspondido pela simpatia do profissional (confiram em meu treinamento, sobre técnicas de Rapport).

Saí do carro e imediatamente apareceu a gerente comercial para me atender com maiores detalhes. Ainda não era com quem eu gostaria de falar; lembrem-se, me indicaram o dono do estabelecimento como a melhor pessoa para negociar. Eu poderia dar um jeito de driblar a gerente comercial e ser direcionado para a mesa do proprietário, mas certamente eu transmitiria sentimento de desprezo pela gerente e perderia uma importante aliada, não apenas para aquele serviço do dia, mas para todos os anos que ainda tenderiam a vir de relacionamento comercial com eles. Portanto, mantive contato com a gerente, mesmo. Vamos a conversa com ela:

Gerente: Bom dia! Tudo bem? Então você gostaria de trocar os quatro pneus do seu carro?

Eu: Bom dia! Prazer, Daniel! (Aguardei ela me dizer o seu nome, para utilizá-lo o tempo todo durante nosso contato). Gostaria sim, mas gostaria de ver se você tem não apenas os pneus dessa atual especificação, mas também de outra que também possa servir, que não perca qualidade e que tenha um preço ainda mais em conta (e ela me mostrou realmente uma outra opção, cujo preço caiu trinta reais por pneu; primeiro ganho na negociação).

E continuei:

Gerente: Como será a forma de pagamento mais apropriada ao senhor?

Eu: Ah, sim. Antes de falarmos do pagamento, deixe eu perguntar a você qual o valor que vocês cobram pelo serviço de alinhamento e balanceamento?

Percebam o que eu fiz neste exato momento da negociação: busquei um assunto que teoricamente ficaria para o final de todo o relacionamento daquele dia: o serviço de alinhamento e balanceamento. Quando usamos esta técnica, o objetivo não necessariamente é barganhar o valor desse serviço. O objetivo é fixarmos logo um valor para ele, evitando com que o comerciante transfira para tal serviço aquilo que porventura tenha dado de desconto no principal serviço. Ou seja, simplesmente “amarrei as pontas da negociação”.

Respondida minha pergunta sobre o serviço de alinhamento e balanceamento, retornei a conversa para o ponto central, os pneus:

Eu: Qual o melhor preço que você e o teu chefe podem me fazer? Me disseram que vocês são bons de negócio.

Gerente: Olha, posso descontar mais dez reais de cada pneu (neste ponto, caso ela tivesse complementado a fala dizendo “porque esses pneus já estão na promoção”, minha negociação, nesta parte específica, ficaria comprometida; mas a fala dela se limitou apenas ao desconto de dez reais).

Eu: Mas, Joana, não são nem cinco porcento do preço de cada pneu, quando, na verdade, o normal no mercado é dar ao menos 10% de desconto (neste momento, sumo com o meu sorriso por alguns segundos, olhando um pouco para baixo, com a expressão pensativa, também confundida com certa frustração; na verdade, não estou pensando em nada, só fazendo minha parte como bom negociador, mesmo).

Gerente: É difícil para eu abaixar mais este preço (o problema é que enquanto ela está falando, meu olhar de frustração aumenta, mandando o seguinte recado subtendido a ela: me falaram que ali era um local bom de negociação, mas não parece ser).

Ela, então, fica incomodada (isso dura uns dois segundos; tudo é muito rápido na negociação) e resolve ir até a sala onde se encontra o dono do estabelecimento. Eu aproveito para ir atrás:

Eu: Vou contigo, pois me falaram muito bem do Sr. Francisco, um homem de ótima história profissional (volto com o sorriso no rosto).

Ao me deparar com o proprietário, vejo um homem de aproximadamente setenta anos, de ótimo semblante, uma boa pessoa pelo que deduzo. Primeiramente, é claro, deixo a gerente falar com ele sobre a negociação. Enquanto ele escuta e transfere alguns olhares para mim, continuo com o meu sorriso e olhar de apreço por aquele homem; daí, me apresento a ele:

Eu: Sr. Francisco, tudo bem? Meu nome é Daniel. O senhor e a sua equipe foram muito bem indicados para eu trazer meu carro para trocar os pneus. E vocês devem ser bons, mesmo, porque todos a quem perguntei indicaram vocês. Além do ótimo serviço, me disseram que são ótimos também para negociarem. E…sabe…(começo a voltar meu olhar para dentro do galpão onde meu carro se encontra, a espera do início do serviço)…só levo meu carro em lugares assim. Aprendi isso com o meu pai (dá para sentir o brilho no olhar do Sr. Francisco neste momento).

Após uma breve troca de falas positivas entre nós dois – de um minuto, aproximadamente –, eu mesmo puxei a conversa de volta sobre o desconto, porém com uma informação que eu não havia colocado antes para a gerente:

Eu: Sr. Francisco, esqueci de falar para a Joana, eu pagarei à vista (abro espaço, então, para usarem como desculpas esta falta de informação, para me darem um desconto maior).

Sr. Francisco: Podemos dar dez porcento de desconto, sim, Daniel. Sem problema algum. A gente consegue fazer tudo o que for possível para os clientes. Não se preocupe. E, Joana, pode pedir para começar o serviço no carro do Sr. Daniel.

Daí eu mesmo viro para ela e digo (e precisava ser ainda na frente do Sr. Francisco, utilizando-o para o aval do que eu viria a dizer, pois, naquele momento, ela não teria como me negar):

Eu: Joana, você não esquece de dizer para a equipe não esquecer dos bicos também, ok? (não sei se vocês, leitores, sabem, mas em alguns estabelecimentos os bicos dos pneus são cobrados à parte). Ah, sim, e seria bom alguém dar uma olhada no estepe e ver se algum dos pneus que estão sendo trocados está melhor do que ele, para substituí-lo também.

Continuei mais alguns minutos por ali com o Sr. Francisco, jogando conversa fora, porém não muito, para não atrapalhá-lo. Em seguida, fui para a sala de espera, deixando-o à vontade. Tomei dois cafés, conversei com vários funcionários, contei histórias sobre o meu serviço, ouvi as histórias deles, etc., tudo de bom.

Com o serviço pronto, voltei novamente à sala do Sr. Francisco, contando também com a presença da gerente Joana. Era hora de fechar o serviço e realizar o pagamento. Ah, sim: faltava uma coisa besta, pequena, mas que valeria utilizar:

Eu: Ah, sim, Sr. Francisco e Joana, esqueci de falar sobre os pneus velhos. Eles ficarão com vocês? Pois cada um deles eu poderia levar e conseguir uns quinze reais, dando uns sessenta reais, o que já é um bom dinheirinho, não?

Sr. Francisco: Claro, se o senhor quiser levar, podemos coloca-los no porta-malas e no banco de trás do teu carro. Vai levar?

Nessa hora, fiz duas jogadas: mostrei ser capaz de abdicar dos sessenta reais em prol de uma boa parceria (mesmo que não seja praticamente nada pra eles em termos de valor) e também mostrei ser um cara inteligente. Vejamos:

Eu: Sr. Francisco, vamos fazer o seguinte. Deixarei com vocês, pois certamente devem fazer um descarte mais apropriado a esses pneus (e, voltei meu olhar para toda a pilha de pneus velhos que se amontoava pelo galpão), e, vendo essa quantidade de pneus e estimando o quanto o senhor acumula ao longo do mês, imagino que consiga praticamente pagar o aluguel do seu estabelecimento com esses descartes.

A sobrancelha arqueada do Sr. Francisco e o olhar meio de lado da Joana para ele me passaram a seguinte mensagem: estamos falando com um cara esperto! Quem não quer pessoas espertas como aliadas, não é mesmo?

Meu carro foi testado, realizei o pagamento e fui embora. Um ótimo resultado para ambas as partes. Voltarei outras vezes ali para fazer novos serviços ao meu carro, sem dúvida.

Quero aproveitar e fazer breves considerações sobre o assunto Negociação:

A vida é feita de trocas, em tudo que fazemos. Por isso é importante dominarmos as técnicas de negociação. Quando, por exemplo, você faz aulas de natação – que representa não mais do que um porcento do seu tempo semanal –, você se dedica a fazer as braçadas e pernadas com precisão. Por que não fazer a mesma coisa com a negociação, já que ela está presente ao menos 60% do seu dia-a-dia?

Por que entender de negociação é tão difícil? Por que há tanto conflito, principalmente quando estamos no papel de vendedor? Simples: Primeiramente, porque gostamos mais de comprar, do que de vender. Em segundo, porque gostamos de comprar, mas não gostamos que nos vendam algo.

Negociação é algo muito simples: basta gostar de conversar. Por exemplo: quando você está vendendo algo e o cliente questiona dizendo que “está caro”. Procure entender o ponto de vista dele sobre isso, antes de tentar convencê-lo do contrário, ou antes de tentar achar um meio de reduzir o preço.

E um erro gritante sobre o conceito de negociação: um lado ganha e o outro perde. Isto não está certo. Sob a negociação correta, ambas as partes precisam sair satisfeitas, ganhando. Não podemos perder este foco. O Mundo já está cheio de problemas demais; pior será se investirmos esforços em prol apenas do nosso individualismo. Não podemos fazer isso. É preciso pensarmos no todo, na interconexão de todas as coisas que permeiam a nossa vida. O bem do próximo gera, com certeza, o nosso próprio bem, em virtude deste mundo tão conectado. Boa negociação a todos!