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Desligamento Profissional: Regras Essenciais que Ajudam o Funcionário, ao Mesmo Tempo que Dignificam Nosso Negócio

Empresas me contratam para realizar recrutamento e seleção de profissionais, atividade que adoro realizar, pois exige de mim o que talvez eu tenha de melhor: a habilidade de realizar leitura do perfil pessoal e profissional. Em proporção bem menor, pedem meu apoio para realizarem desligamentos. Todavia, sofrem muito mais frente a este segundo cenário, a demissão, o que é normal. Digo normal, pelo fato de eu saber que poucas são as empresas que investem em habilidades para conduzir de maneira saudável este processo, o qual, aliás, começa muito antes da entrevista de desligamento em si: a atenção se inicia a partir da reflexão sobre o porquê de um ou mais funcionários estarem relacionados para uma possível demissão.

Resolvi escrever este artigo por diversos motivos. Um deles refere-se ao fato de nos últimos anos eu ter pesquisado bastante sobre as melhores técnicas de demissão e ter percebido que, entre os grandes especialistas nesta área, cerca de 70% do discurso é bastante similar. Não se altera. Podemos dizer que se refere às regras básicas de conduta que toda empresa deve seguir em qualquer demissão, e, embora eu esteja atrás dos outros 30% para criar um modelo de excelência, é importante que eu enumere essas regras básicas:

Em primeiro lugar, devemos considerar a seguinte regra de ouro para este contexto: tudo realmente começa com um bom processo de recrutamento e seleção. Daí, pensaremos: contratando os melhores profissionais para as nossas empresas? Não é disto que estou falando. É claro que precisamos conduzir com bastante habilidade este processo e encontrarmos aqueles profissionais que estarão perfeitamente encaixados ao nosso negócio. Mas isto é apenas metade da questão. A outra metade diz respeito a deixarmos bem claro todas as expectativas sobre o candidato, as regras relacionadas ao dia-a-dia do ambiente de trabalho, e, ao mesmo tempo, entendermos muito bem as pretensões de tal candidato. Resumidamente, é começarmos o jogo com todas as regras muito bem estabelecidas e entendidas (garanta que o candidato selecionado prossiga com a empresa tendo pleno conhecimento dessas regras).

A segunda regra de ouro: as empresas precisam manter o hábito de gerar feedbacks aos funcionários quanto à produtividade, comportamento e suas evoluções técnicas. Há gestores que tem dificuldade de questionar os funcionários até quanto aos atrasos de expediente. Aliás, quanto a isso – fator muitas vezes considerado para a demissão de um funcionário –, oriento para que o gestor chame o funcionário para uma conversa desde o seu primeiro atraso de expediente. Muitos pensam: “Ah, mas este funcionário é dedicado. Foi apenas o seu primeiro atraso na empresa”. É assim que a maioria pensa. Mas ao deixar este momento passar, outros poderão vir, sendo que quando o gestor resolver questionar o funcionário, este poderá argumentar: “Mas você nunca me falou que isto estava atrapalhando algo aqui na empresa?!”. Sendo assim, mesmo que a característica de liderança numa empresa seja de uma liderança liberal e/ou situacional, nada impede de sempre abordar um funcionário que tenha apresentado pequeno desvio de conduta, sempre com foco em entender os motivos e gerar melhorias dali em diante.

A terceira regra de ouro: a demissão – e, importante ressaltar, neste artigo nosso foco está voltado às demissões involuntárias, aquelas em que a empresa decide pelo desligamento do funcionário –, precisamos assumir uma postura de combate às demissões nas organizações que lideramos. Devemos evita-las ao máximo. Devemos ter aversão. Dito isto, é importante que consigamos refletir bastante sobre cada desligamento que tiver sendo planejado, até que não tenhamos mais dúvida que o mesmo precisará ser realizado.

Sobre esta terceira regra de ouro, aproveito para contar fato ocorrido numa empresa em que prestei consultoria: um profissional da área técnica possuía grande limitação para realização de suas tarefas, muito embora apresentasse excelente comportamento, recheado de proatividade e comprometimento com o negócio. Além disso, era um profissional de um semblante muito feliz, sempre de bem com a vida. Todos adoravam sua convivência. Mas a empresa estava perdendo um posto de trabalho ao mantê-lo, e, portanto, decidiu pelo seu desligamento. Por aproximadamente três meses, os líderes refletiram sobre desliga-lo ou não. No dia da ingrata conversa, o funcionário manteve toda a serenidade característica que possuía, reforçando seu apreço pela empresa e pelos líderes, agradecendo o tempo em que esses foram tolerantes às suas limitações, etc., etc., etc., fazendo todos se emocionarem muito; alguns, aliás, chegaram a chorar acima do esperado. E eu estava lá, como mediador da situação. Ao funcionário, foi dado o aviso prévio de trinta dias, tempo em que por diversas vezes os líderes voltaram a se questionar sobre manter ou não a decisão. Volta-e-meia esqueciam os motivos originais do desligamento. Da minha parte, cabia questioná-los: o que a empresa mais necessita nesta posição de trabalho? A empresa está preparada para manter este funcionário e reforçar os investimentos em seu desenvolvimento técnico? A limitação deste funcionário pode ser realmente minimizada pela empresa, ou é algo muito intrínseco a ele, com grande probabilidade de não ser revertida no prazo de tolerância esperado? Tudo dependeria de os líderes concordarem sobre: O que a nossa empresa é, de fato, frente à Gestão do Conhecimento? Quais são as características realmente mais importantes nos funcionários que contratamos? Estamos nos enganando, ao falarmos que podemos contratar primeiramente pelo comportamental e que podemos formar tecnicamente nossos profissionais? Era sobre isto que eu estava falando a eles. Era uma pena a empresa se desfazer de uma pessoa de espírito tão grandioso, mas a verdade é que cada um de nós tendemos a nos encaixar em ambientes específicos e isto não quer dizer, quando o encaixe não acontece, que uma das partes esteja falhando. Não tem a ver com isto. Tem a ver com identidade. Simplesmente isso.

Vamos então às demais regras básicas que formam aqueles 70% do conteúdo comum nos discursos dos grandes especialistas no assunto:

  1. Dê feedback ao funcionário no ambiente de trabalho, e, preferencialmente, com certa carga de formalismo. Evite chama-lo para conversas informais quanto ao seu desempenho, e, principalmente, evite que este tipo de conversa ocorra fora do ambiente de trabalho.
  2. Um ponto sempre questionado nas empresas: Existe um dia e horário melhor para demitir um funcionário? Sim, existe. E interessante que a maioria dos executivos acredita que as segundas-feiras, ou sextas-feiras, ou vésperas de feriado são ótimos momentos para realizar o comunicado do desligamento ao funcionário. Estão errados. Façamos isto durante a semana, evitando os extremos e evitando estragar o lazer da pessoa.  Além disso, o ideal é demitir o funcionário pela manhã e liberando-o para ir pra casa. Caso ele queira se despedir dos colegas da empresa, permita desde que não haja restrição por parte da organização; alguns postos de trabalho são muito estratégicos, não sendo prudente a empresa permitir que haja livre acesso do funcionário após o mesmo ter sido comunicado do desligamento. Tudo é uma questão de bom senso.
  3. Outra dúvida é sobre quem deve demitir o funcionário, se o gerente imediato, um eventual diretor do setor no qual o funcionário atua, ou o gerente ou representante da Gestão de Recursos Humanos. O certo é que o gerente imediato seja a pessoa a realizar o comunicado, pois será aquele que melhor poderá explicar os motivos. Porém, caso este gerente careça de habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal – aliás, se isto ocorrer, aproveite para repensar a posição deste gerente também –, deve-se convocar o gerente ou representante da Gestão de Recursos Humanos. Além disso, tratando-se de uma reunião que poderá falar não apenas de questões pertinentes ao desempenho técnico e comportamental do funcionário, mas também de questões burocráticas de RH, a empresa pode se precaver introduzindo o representante da Gestão de RH em todas as reuniões dessa natureza.
  4. As explicações ao funcionário precisam ser diretas, sem rodeios. Trata-se de um comunicado, não da leitura de um romance. Então, basta fazer um breve relato sobre o histórico do profissional junto a empresa, os altos-e-baixos do seu desempenho, a recapitulação dos principais feedbacks e respostas posteriores de desempenho, para, então, informa-lo sobre a decisão sobre o desligamento. Obviamente, essas reuniões raramente são unidirecional, ou seja, dificilmente uma das partes não se pronuncia. Então, provavelmente o funcionário irá colocar algumas considerações. Deixe-o fazê-las. Isto não quer dizer que precisaremos gerar reflexões sobre elas. Podemos respeitá-las, mas sem utilizá-las para rever nosso posicionamento, salvo se houver algo que realmente comprove um erro em nossa decisão. E, complementando esta regra, devemos evitar questionamentos como: “o que você acha disso”?, ou “ você concorda com o que estamos expondo a você?”. Devemos deixar o funcionário à vontade para decidir se quer ou não fazer suas considerações, sem precisarmos pedir por isso. E, importante: caso enxerguemos dificuldade em assim proceder, acreditando estarmos conduzindo uma reunião desconfortável pela carência de longas narrativas, possivelmente isto terá a ver com algum procedimento que faltou entre a empresa e este funcionário ao longo do relacionamento entre as partes. Por exemplo: se a empresa deixou de dar feedbacks a este funcionário, sentirá um peso muito grande nos ombros ao conduzir a reunião de desligamento, e, claro, informações rápidas trarão aquela sensação de “empresa desprovida de sentimentos”. Se você, empresário, não fez a lição de casa correta, então, aceite o desconforto da reunião de desligamento junto ao seu funcionário; não há muito o que fazer neste caso, senão aceitar como uma “lição aprendida”.
  5. E quando o funcionário se altera e reage de maneira agressiva ao comunicado da demissão? Se a pessoa for pega de surpresa e chorar após a demissão, ouça-a com calma. O momento é difícil e exige compreensão. Não é preciso ouvir os lamentos do funcionário durante horas, mas também não é adequado finalizar a conversa ou apressá-la numa situação como essa. Se a pessoa reagir com agressividade nas palavras, aconselha-se dizer que compreende o que ela sente, mas que mesmo assim, a situação é irreversível.

Só um detalhe, antes de irmos para aqueles 30% que tenho perseguido em meio aos discursos dos especialistas: para cada demissão que realizar, faça todos os esforços para não perder conhecimento…e…não, não… Não estou falando de começar a se preocupar com isso quando decidir pela demissão de alguém. Estou falando de viver dia-a-dia preocupado com a explicitação do conhecimento, ou seja, de documentar e/ou permitir compartilhar o máximo possível os mais variados conhecimentos que seus profissionais possuem e que trazem resultados essenciais e diferenciais ao seu negócio. Isto é o que chamamos de explicitação do conhecimento: sair do conhecimento tácito (aquele apenas internalizado pelo funcionário, sem compartilhamento), para o conhecimento explícito, documentado ou ao menos dividido através de exemplos, estudos de caso, execução de casos práticos, ou através da automação. E, claro: não podemos esquecer os backups de dados e informações historicamente mantidos pelo funcionário em fase de desligamento.

Mas vamos lá aos 30% restantes das boas práticas frente ao desligamento de um funcionário:

  1. Primeiramente, se o funcionário é aquele “funcionário-problema”, que vem gerando transtornos à empresa e/ou aos colegas de equipe, não há de se falar nos demais 30% das boas práticas de desligamento: simplesmente, conduza o processo de maneira bem prática e simples. Só um detalhe: nunca ignore os pontos-de-vista que esses funcionários queiram repassar, pois podemos aprender muito com eles. Já presenciei “funcionários-problema” serem demitidos sob o argumento de serem causadores de conflito, verdadeiros “vendedores do apocalipse”, e, um ano depois, serem recontratados. E sabem o motivo? Simplesmente, por algo que estava subtendido no relacionamento entre as partes: os líderes da empresa se recusavam a enxergar que o problema não era “o quê” estes funcionários diziam, mas “como” estes funcionários diziam. Num caso específico, embora fosse um funcionário de uma oratória impositiva e às vezes agressiva, praticamente tudo que vinha apresentando como opinião era correto e importante para o negócio. Na sua volta a empresa, ainda bem que eu estava lá. Tive a chance de preparar os dois lados para um melhor convívio, fazendo-os aprenderem a explorar a parte positiva deste relacionamento. Isto já faz uns cinco anos e o funcionário permanece na empresa até hoje.
  2. Ignorando agora o “funcionário-problema” e indo para um cenário em que simplesmente o funcionário não encaixou às necessidades da empresa. Vamos retomar o primeiro caso que citei, no sexto parágrafo deste artigo, daquele funcionário de excelente postura, porém de baixa qualificação técnica. Precisamos ter em mente que, a exceção daquelas pessoas que possuem maldade no coração, o mundo tem espaço para todos. Como empresários ou executivos, temos bons relacionamentos externos o suficiente para fazermos indicações a outras empresas e isto é algo muito louvável de se fazer. Gera respeito ao nosso próprio negócio. Principalmente, traz a chance de as pessoas que desligamos serem encaixadas em um cenário mais adequado, sem que elas sofram perdas financeiras em decorrência de meses e meses desempregadas. Simplesmente, tentarmos garantir o bem a elas. Afinal de contas, se conseguimos dirigir nossas empresas, acredito não ser difícil realizar pequenas façanhas como boas indicações. E, claro: essas indicações precisam ser genuínas, deixando muito transparente toda a situação que permeia a pessoa indicada, para não enganarmos o futuro empregador. Não é preciso ter medo de seguir a risca este procedimento, pois, como falei, o mundo tem espaço para todos, mesmo considerando todos os nossos defeitos (ou, melhor dizendo, apesar dos nossos defeitos). Aliás, o que uma pessoa apresenta como defeito para continuar conosco em nossos negócios, pode não ser relevante para outros empresários e executivos. E posso afirmar, com muita propriedade, palavra de quem já conduziu este procedimento diversas vezes, com 100% de sucesso: funciona, se bem conduzido…se conduzido de coração.
  3. Outro ponto: voltemos um pouco no tempo, muito antes do dia do desligamento. A gestão em sua empresa é comunicativa? Os funcionários sabem quando a empresa está indo bem, quando não está tão bem, quando um assunto é grave, etc.? Há reuniões periódicas de alinhamento de resultados? Há treinamentos em grupo e treinamentos individuais sobre tudo que importa em termos de competência na empresa? Os pilares estratégicos – missão, visão e valores organizacionais – são bem definidos, publicados e reforçados periodicamente? Há um Endomarketing que realmente funcione? E, junto a todo este cenário, os funcionários sabem quando as lideranças estão felizes e quando estão tristes com os desempenhos e o porquê? Pois então: é neste cenário que está todo o segredo para que um funcionário saiba, dia-após-dia, se está bem encaixado ou não às necessidades da empresa, a ponto de não ser pego de surpresa no momento do desligamento. Aliás, sob um cenário bem estruturado desta maneira, o próprio funcionário pode ser convidado a ajudar o líder a revisitar todo o seu histórico, no formato de “lições aprendidas” e “o que irei melhorar da próxima vez, aqui ou em outro emprego”.
  4. Por fim, algo fundamental: os líderes podem e devem criar certa proximidade aos seus liderados, a ponto de sentirem-se cúmplices das dificuldades e dos sucessos do dia-a-dia e verdadeiros companheiros de batalha, que podem dar a vida um pelo outro, inclusive. Porém, embora difícil, não é impossível chegar a este ponto e manter distanciamento para evitar o que chamamos de “intimidade”. Quando esta linha é cruzada, o desligamento se torna difícil de ser conduzido. Cabe aos líderes saberem “o que é permitido” e “o que não é permitido” no relacionamento entre chefia e subordinados. Na maioria das vezes, precisam passar por sessões de coaching para criarem este poder de discernimento. Mas é possível também obterem orientações breves através de consultoria, ou, é claro, aprenderem com a experiência.

Na verdade, podemos falar bem mais sobre este assunto. No entanto, como quem também é cliente o tempo todo de novas experiências sobre o mesmo, posso afirmar que ao deixarmos lacunas em aberto faremos cada um – leitor – refletir sobre os seus casos particulares e pensarem em soluções próprias. Importante se conscientizarem que não há uma fórmula pronta para a condução de um desligamento. Há sim, algumas regras básicas e essenciais, conforme abordei neste artigo. O mais importante é que sejamos sempre atentos às pessoas, que tenhamos o desejo de fazê-las participar do dinamismo dos nossos negócios, para sentirem de perto a verdadeira realidade, o que também é benéfico, já que profissionais melhor informados se tornam mais motivados e se preparam melhor para as complexidades das rotinas que a eles são impostas; do outro lado, sempre existirá aquela parcela dos funcionários que não se encaixam, mas, como líderes, temos o dever de também orientá-los para o próximo caminho que irão seguir. Isto é o que gostaríamos que fosse feito aos nossos filhos, caso estes últimos estivessem na posição de um funcionário em desligamento, não é mesmo?